O melancólico ama a vida e outras

O melancólico ama a vida 

Ele tem uma relação muito íntima com ela
Casou e jurou 
Na saúde, na doença
Na riqueza, na pobreza
Toda sua fidelidade
A tem na cama, na cozinha
Nos passos, nos altos dos morros 
De suas poucas e profundas certezas
Selou com sangue
Tirou sua virgindade
Sorve sua verdade
Vezes sem entendê-la
Apenas ama
É paixão 
A ignorância é afastar a vida
Inventa-la, dar-lhe múltiplos nomes, 
compromissos, agendas
Dividi-la, esquecida
Vive sem vivê-la
Em sua pureza 
Em sua aridez
Em sua força
A pura chama 
Que ilumina o caminho 
De escuridão 
Segurando o seu fogo entre os dedos
Não quer correr, quer viver sem precisar dos pés 
Quer contemplar sem ter medo
Sem ser apressado pelo tempo 
A sua fé é tão pura quanto o seu desejo
Se segura mas cede ao vento, do silêncio
Não tem fronteiras para a imensidão
Respira profundo, transpira 
Lhe acompanha onde quer que vá
É uma obsessão 
Ama a vida 
sem máscaras, sem mitos ou ritos
Ama no ato mais simples
Que é o viver, 
o sexo mais fixo, tântrico, constante,
No gerúndio o seu capricho
O mais intenso ser

A cultura

A sua luz nos acomete,
Nos hipnotiza, nos faz lebres, 
embaixo de impérios, conquistas breves 
ou destruições genocidas
Como uma Sicília 
cheia de histórias e tragédias 
Camadas em camadas
Nós somos as próximas comédias
Dos seus punhais 
Os próximos ancestrais
É amor ou ódio à primeira vista
É uma invasão ou trincheira erguida
São bandeiras, cores, tricolores
Ou um verde líbio, um deserto de dores 
Os livros de história são livros de horrores
Cheios de dramas, mortes estupidas e péssimos atores
A cultura é você sem ser, cedendo, cheio de crer
O seu bem, o seu zen e o seu mal
A cultura é o culto ao mais curto, bruto circuito
Um círculo ou um quadrado 
Assassino, assassinado
Ainda a sina humana de ver apenas um 
dos dois lados 

Finalidade

A finalidade da dor
Que não se sente
Que se busca sem saber 
Que tem um inevitável sabor
ao dente
É a melancolia do ser
Que não se vê, não se escuta
Dor que não ataca as mãos
Que faz crescer rugas
Montanhas e mais montanhas que se perdem .. de tão grandes
Anciãs que banham horizontes
À frente o futuro é o passado, distante
O reflexo é o vento amargurado
Os pés andam ao contrário
Ar que não expira
Que enche o balão de ar
Ressuscita os mortos, mata os vivos 
Suicida sem se matar 
Vai ao próprio enterro
Flores que já murcharam
Dias que já calaram
Seus ecos, nunca param
Nostálgico olhar, de quem não tem mais idade
A finalidade de quem se deixou ser deixado pra trás
Busca por paz e coragem
Porque o mundo sem ilusão é o mais grave
Crônico, de desoladoras paisagens
A mais fecunda amizade
O amor mais profundo,
O corpo continua a perder o seu fogo
Mas a alma esqueceu de envelhecer
O seu tempo parou 
porque não tem mais pra onde ir
A última idade, de quem pensa, como se a morte fosse amanhã

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