Adaptação: relativa e filosófica

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Fonte: https://www.sciencemag.org/sites/default/files/styles/inline__450w__no_aspect/public/Hyperparasitoid-1280x720.jpg?itok=mh2JAWVk


Teve uma vez que eu vi um vídeo na internet, mostrando todo o processo de parasitismo da vespa em uma lagarta. Não é recomendado para menores de 18 anos. Cenas fortes e nojentas. Crueldade, covardia, injustiça... São palavras que me vieram à mente vendo aquela sucessão de infelicidades acometendo um ser vivo, aos nossos olhos, simpático, como a lagarta. No reino dos seres vivos não-humanos, seus comportamentos de adaptação determinam suas condutas em relação aos outros. Mas, eles não têm pleno discernimento do que estão  fazendo, porque não podem se colocar no lugar do outro nem sair de suas perspectivas pra se analisarem. Aquela espécie de vespa, evoluiu para o comportamento parasita. Pra ela, o certo é enganar, explorar até matar sua vítima, porque este é o jeito ou o caminho que a natureza lhe "deu" para sobreviver. A lagarta, quando é vítima e enganada pela vespa, nada pode fazer, seu destino já foi traçado. Ela passa a viver uma vida que não é sua, que se  transformou  em propriedade de um parasita, até sua capitulação. Os níveis de consciência, de conhecimento sobre a realidade, são baixíssimos pra essas formas de vida, se só sabem sobre si mesmas, sobre seus modos particulares de existência. No entanto, aquilo que sabem é suficiente pras suas sobrevivências a curto prazo.  Não é tudo que é como um filme de terror no meio natural não-humano, porque também existem relações mutualistas e afetivas genuínas dentro dessas cadeias alimentares. De modo geral e primário, todas as formas de vida, inclusive a humana, obedecem a um código moral, que eu denominei de moralidade adaptativa relativa. Ele se expressa pela diferença no modo de adaptação ou de particularismo comportamental de certa espécie, em relação aos seus membros, e aos indivíduos de outras espécies. Isso significa que as naturezas constituintes das espécies determinam seus comportamentos ou condutas.

A moralidade não é apenas um conjunto de leis que rege uma comunidade em particular, pois se expressa primordialmente pelo próprio indivíduo, em relação a tudo o que faz, e sua razão para agir deste ou daquele jeito. A moralidade é o nível  de responsabilidade e/ou conhecimento pelos próprios atos. Ela é relativa nos reinos dos seres vivos não-humanos porque depende do tipo de adaptação, em que o certo e o errado se vinculam ao mesmo. Na verdade, é mais um tipo de pré-moralidade, porque a capacidade de julgamento do indivíduo em relação às suas ações ainda está muito subdesenvolvida. No entanto, toda adaptação [mesmo a mais primitiva] é expressão de um conjunto de conhecimentos úteis para a sobrevivência de uma espécie. 

É difícil dizer que a inteligência esteja restrita à espécie humana quando vemos o parasitismo sofisticado de uma vespa. Confundimos a sofisticação de nossa inteligência humana com exclusividade. Onde existe conhecimento, existe comportamento inteligente. Toda forma de adaptação é inteligente, porque nenhuma vida consegue existir sem que se dê com base em conhecimento, que não é apenas o que memorizamos no cérebro, dos fatos, naturais ou construídos [ou factoides], mas tudo aquilo que é réplica de uma realidade, como é a própria vida. A adaptação é uma correspondência ou vínculo de um organismo a determinado ambiente, das características mais básicas como a atmosfera até à especificidades, que são fatos e se transformam em conhecimentos quando incorporados pelo ser vivo. Por exemplo, a cegueira de algumas espécies, que reflete a escuridão dos ambientes em que se adaptaram.

Com a capacidade abstrata, o ser humano, idealmente, pode julgar suas ações além do tempo e espaço em que acontecem, analisa-las por outras perspectivas além da sua, acumular conhecimentos além de suas reações emocionais, instintivas ou estereotípicas. Mais conhecimentos, mais detalhes, mais elementos emergidos à responsabilidade de atos potenciais. 


Hierarquia de identidades, alienação natural e reciprocidade


Em relação aos conhecimentos, os mais importantes são os existenciais, porque são fatos indiscutíveis, absolutos e/ou inevitáveis da vida, como a sua finitude e a inexistência de uma explicação metafísica ou paranormal que desafie as leis mais elementares da realidade. 

Se uma vespa ou uma lagarta tivesse consciência de sua própria finitude, como será que se comportariam?? 

Seus níveis de consciência as impedem de saber sobre A vida, mais do que elas sabem sobre suas próprias vidas ou modos muito particulares de adaptação, se vivem estritamente o destino de suas espécies.

Pelo senso comum, sempre sujeito à reviravoltas culturais, saber que irá morrer não é considerado conhecimento, da mesma maneira que saber matemática ou escrever "corretamente". Isto é,  sobre os fatos mais importantes da vida, um deles a própria morte. As culturas humanas, por meio da linguagem, têm interpretado, nomeado e justificado ao seu próprio sabor, seus comportamentos ou moralidades [níveis de conhecimento sobre eles]. Dos mais irracionais, como os sacrifícios humanos (e não-humanos), até aos mais ponderados, como a aceitação da existência de uma diversidade de inclinações psicossexuais. Na maioria delas, para mais ou para menos, existe um embate entre dois tipos de códigos morais ou constituições psico-existenciais, a velha adaptação relativa e a mais evoluída reciprocidade proporcional ou adaptação filosófica/hiper-realista. 

Ao contrário do que é muito comum de se pensar, a mente humana não é uma esponja uniformemente constituída entre os indivíduos, capaz de absorver todo tipo de conhecimento, inclusive os existenciais. Diferentes tipos de mente comportam diferentes níveis de consciência [níveis evolutivos de sanidade intelectual]. 


A recíproca tem que ser verdadeira 


A moralidade da reciprocidade proporcional se consiste no código moral ou estágio evolutivo de consciência em que o indivíduo se torna capaz de reconhecer em outros indivíduos aquilo que apresentam de universal, suas identidades primárias, de que todos os seres vivos são indivíduos e vidas [finitos, frágeis], antes de se constituírem de maneiras específicas. Essas identidades representam o princípio da hierarquia da consciência. Tal capacidade varia muito entre os seres humanos. Os mais alienados são aqueles que dão maior importância às suas identidades mais superficiais como a classe social e a raça, do que as mais elementares. Se a morte chegará para todos, então por que o ódio ou sentimentos divisivos?? Justamente, por serem menos evoluídos ou conscientes sobre essas verdades absolutas. A partir do momento em que nos reconhecemos como iguais, indivíduos e seres vivos, são as ações que se tornam mais importantes nas interações, do que nossas constituições. Passamos a nos espelhar ao outro, a vê-lo como igual, o que somos, essencialmente. Infligir dor ao outro sem ter uma razão ou justificativa racional se torna inaceitável, pois seria como fazê-lo a nós mesmos.

 A evolução da consciência está diretamente relacionada com o aumento da importância do indivíduo para si mesmo, incluindo os seus iguais.


Certo e errado

A importância da vida e portanto do indivíduo, se torna substancial com o código moral da reciprocidade proporcional. O seu critério de certo e errado se baseia nas verdades absolutas ou conhecimentos existenciais, isto é, nos fatos mais fundamentais da vida. 

Essa moralidade é filosófica, justamente porque foi graças à filosofia, ou, à emergência da autoconsciência [expansão da percepção e sensação do mundo] que surgiu e passou a ser configurada... além da relatividade moral, presente em cada modo particular de adaptação, desses divisionismos ou circunscrições das cadeias alimentares, em direção à unidade ou igualdade universal pela consciência internalizada ou centralizada sobre a morte, sobre as identidades mais elementares, enfim, de tudo aquilo que nos une por um destino final em comum, ao invés de nos distanciar. 

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