Diversidade e hierarquia de verdades

Diversidade e hierarquia de verdades


Verdade: é a reflexão da ou de certa realidade pela perspectiva de um indivíduo. Realidade: aquilo que existe. Verdade: aquilo que é percebido e/ou descrito da realidade. Verdade é praticamente sinônimo de realidade por ser seu eco, de fora para dentro de uma subjetividade, e até pode ser compreendida como um conceito que amplifica o que é real.

A priori, toda verdade é subjetiva porque só pode existir a partir da consciência e/ou percepção de um indivíduo ou ser vivo. No entanto, como é percebida ou sua natureza, faz com que ocorra uma diversificação de tipos que procurarei explicar aqui, de acordo com o meu entendimento, e buscando fazê-lo com base no máximo de precisão factual ou neutralidade ideológica.

Verdades subjetivas: são as nossas reações ou sensações que são verdadeiras e, portanto, verdades ou fatos derivados da interação indivíduo x meio. Por exemplo, se eu sinto frio, então, é uma verdade subjetiva porque minha sensação de frio é verdadeira. Também podem ser definidas como verdades abstratas/derivadas, por se referirem a comportamentos ou reações, por interação.

Verdades universais ou realidades: são fatos ou existências que podemos perceber justamente pela neutralização das nossas atribuições qualitativas, isto é, definindo o objeto sem distorção de perspectiva. Por exemplo, a existência de uma pedra. Se eu só conseguisse tocar na pedra, se não pudesse enxerga-la, então, minha sensação de toque à ela, meu reconhecimento de sua existência por esse canal ou sentido, seria uma verdade universal, talvez incompletamente percebida.. de sua natureza física sendo reconhecida por minha mente. A existência da pedra, independe da minha consciência qualitativa ou reativa à ela e, portanto, é uma verdade universal, quando percebo sua natureza e não a minha projetada nela.

Se eu sou percebido pelos outros com base em minha natureza, preferencialmente, pelo meu ''todo'', então essa percepção é uma verdade universal. O que os outros percebem de mim com base em suas atribuições reativas, são verdades subjetivas.
 O que as difere é o grau de precisão dos critérios de identificação e categorização. Mais objetivo, mais universal.
 
Verdade x realidade

Se eu tenho a pele branca, então isso é uma realidade, um fato. Isso ainda não é uma verdade universal porque depende do nível de acurácia visual quanto a esse meu atributo. Porque a espécie humana apresenta, em sua maioria, uma excelente capacidade visual, então, a cor da minha pele é facilmente concebida para quem enxerga como uma verdade universal, que é quando minha natureza é percebida por todos os indivíduos capazes de enxergar, de acordo com a naturalidade visual de ''nossa'' espécie. A pele humana, por esse sentido, também é uma verdade universal.

Verdades pragmáticas: são condições lógicas e/ou verdadeiras para comportamentos ou fenômenos (cadeias de comportamentos).  Contrastante às subjetivas, as pragmáticas são menos no sentido reativo-emotivo/sensorial e mais no responsivo-cognitivo. Por exemplo: eu sinto frio (verdade subjetiva). Se eu sinto frio, então eu preciso me esquentar para não ficar com hipotermia (verdade pragmática.. ou lógico-primária). A subjetiva é primariamente reativa. A pragmática é uma reação ou resposta cognitiva à reação subjetiva do corpo. Mas, também em relação às facetas universais de fatos ou verdades universais que podem ser capturadas, isto é, pode se expressar a partir da subjetividade de um indivíduo ou ser descrita como resposta lógica de uma verdade universal. Exemplo: ''se eu estou sendo ameaçado, então, eu preciso me proteger''. Resposta pragmática/verdadeira a uma sensação ou verdade subjetiva [o medo]. E por uma perspectiva impessoal ''A Polônia reagiu à invasão da Alemanha, na segunda guerra mundial''. Interações coletivas e historicamente datadas sendo reconhecidas por um indivíduo.  Podemos concluir que as verdades pragmáticas são basicamente lógicas, não necessariamente racionais.

Verdade essencial: é a essência ou o cerne das realidades particulares. São origens e universais. Alguns exemplos que já usei em outros textos: a verdade essencial das guerras humanas é a disputa territorial ou de poder entre machos da espécie. A verdade subjetiva é a sensação do indivíduo direcionada para certo objeto de análise ou interação mental e intelectual. Ela é uma verdade porque a sensação subjetiva existe. Mas isso não significa que não seja predominantemente limitada ou diluída de veracidade, especialmente a partir do momento que busca se passar como essencial. É o caso do soldado ou do militar que define a causa para as guerras humanas como uma ação plenamente racional a partir de sua percepção conclusivamente subjetiva.  Verdades essenciais são os verdadeiros porquês. As subjetivas são os nossos porquês baseados no que estamos sentindo. As universais são tudo aquilo que existe, e que percebemos por suas próprias naturezas. As pragmáticas são condições, regras ou objetivos verdadeiros, que contêm mecanismos lógicos.

No caso da guerra
Subjetiva: o que eu sinto sobre ela [verdade sensitiva]
''Eu sinto que a guerra é ruim''

Universal: o que é a guerra [verdade descritiva]
''A guerra é um evento conflituoso em que grupos antagônicos duelam uns contra os outros a partir de ofensivas estratégicas buscando a defesa  ou o avanço em território alheio''

Pragmática: os mecanismos que resultam na guerra e os que são usados durante a mesma..
''Se o meu território é invadido, então eu posso declarar guerra ao invasor. Eu posso invadir aquele território se eu almejo suas riquezas naturais''
''Se um povo x é ameaçado, ele pode reagir de maneira y que pode resultar em conflito armado''.

Essencial: o derradeiro porquê das guerras
''Disputa territorial de machos héteros''

Uma pedra

A minha reação à pedra é uma verdade subjetiva [''é uma pedra bonita'']
A minha percepção à sua natureza elementar é uma verdade universal
[''é uma pedra e não uma flor porque ela não é uma planta, porque é ...'']
Os mecanismos lógicos que a produziram e também os que mantém sua integridade física, são verdades pragmáticas [se a pedra tem nível de dureza x e recebe um impacto xx então é provável que irá se esfarelar ou ao menos se quebrar]
Sua origem, o porquê de existir e sua utilidade, são verdades essenciais
[a pedra se origina do solo, é um pedaço dele. Sua função elementar ou universal é sua própria autoexpressão e não tem uma função além disso, conhecida, por si mesma, individualmente falando].  

Verdade subjetiva: sensação verdadeira, de probabilidade de reação, de uma perspectiva de existência em contato com a realidade. ''O que eu sinto sobre o objeto''

Verdade universal: o objeto ou fenômeno percebido em sua integridade, sem ser uma atribuição reativa ou qualitativa ''Eu descrevo/reconheço o objeto com base em sua natureza''

Verdade pragmática: os mecanismos que resultam e que mantêm a integridade existencial de um objeto. ''Como eu respondo à primeira reação do meu corpo a partir de certa interação'' ou descrição impessoal.

Verdade essencial: a origem, o porquê ou a utilidade do objeto. ''O que consigo capturar de essencial de certo objeto''

Verdade existencial: esta verdade permeia todas as outras, a meu ver, uma categoria à parte, pois se refere à intimidade de existência do indivíduo, sobre sua vida, suas lembranças, suas tristezas, suas alegrias, suas esperanças ou expectativas, sua aceitação do destino final que o aguarda, seus métodos de como viver, aproveitar sua única vida e de que maneira também para com o outro. O amor é subjetivo mas também tem uma verdade existencial. A detecção sensorial da natureza de um objeto é uma verdade universal, mas a lembrança ou o valor que remete, também é existencial. A prática com base em verdades pragmáticas, por exemplo, a busca pelo prazer sexual a partir do ato que o gera. E a essência do que é ser existência. As verdades existenciais são as que constituem o nível mais alto de discernimento moral bem como sobre a realidade.  

Hierarquia de verdades, das mais universais às mais particulares

As primeiras verdades, a partir da perspectiva do indivíduo, são as subjetivas, porque expressam suas sensações em relação ao contato com o mundo. São também as mais particulares mesmo que nelas contenham tons óbvios de universalidade, por exemplo, a sensação de frio como resultado de um corpo sentindo a/sua temperatura cair. A variação de temperatura é uma realidade e uma verdade universal, porque independe de nossas sensações para existir e porque a grande maioria dos indivíduos, humanos e não-humanos, sentem variações ou variantes térmicas ou sua natureza elementar. Como que a sentimos é uma verdade subjetiva. Ela também é pragmática, porque apresenta padrões ou objetividade previsível.

Em segundo lugar, em termos de importância, a partir de  uma perspectiva individual, temos as verdades pragmáticas. As universais, as essenciais e as existenciais.

Níveis de consciência

Mais baixo o nível de consciência, mais predominante à percepção da consciência são as verdades subjetivas. Apesar de sua natureza comparativamente inferior às outras, as verdades subjetivas são básicas e, portanto, fundamentais, pois são um dos nossos primeiros canais de sensação do mundo. E, por serem produtos de processos adaptativos, são dominantes ao nível realista ou lógico-primário de consciência, ainda também com a necessária percepção de verdades universais.

A compreensão das diferentes partes de uma realidade que resultam nos tipos de verdade só é possível pelo raciocínio abstrato. Portanto, apenas o ser humano que pode alcançar à plena consciência ou espelhamento das demais verdades. No entanto, mais absoluta ou essencial for a verdade, mais difícil de ser detectada por conta própria e plenamente aceita como uma variante factual, pela maioria de ''nossa'' espécie.

A humanidade é caracteristicamente a quebra do monopólio da subjetividade sobre a percepção individual.

O  surrealismo, enquanto desvio do realismo no que condiz à básica função da inteligência, de espelhar realidades, isto é, construir verdades, resulta na distorção das mesmas, por exemplo, endereçando a uma verdade essencial, atribuições subjetivas. O surrealismo é a confusão entre o que é subjetivo e o que não é.

''1.Eu sinto nojo da barata. 2.A barata, portanto, é intrinsecamente nojenta'' - 1. verdade subjetiva, a sensação. 2. Atribuição equivocada.

''Eu acredito que exista 'um criador' do universo'' - verdade subjetiva.

O hiperrealismo, enquanto continuidade evolutiva do realismo, supera e desloca a percepção do indivíduo [humano] para as verdades mais importantes e, ao mesmo tempo, as que exigem mais raciocínio, que são as universais, as essenciais e as existenciais.


Verdades são conhecimentos

Se existe uma tendência de exacerbar diferenças entre sinônimos decididamente próximos, então, ao menos neste caso, ei de se buscar fazer o oposto. Conhecer ou reconhecer são verdades que são conhecimentos. Sim, o nível de precisão e a natureza da verdade, força o estabelecimento de uma hierarquia com base nesse básico critério.

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